quinta-feira, 30 de novembro de 2023

O cão sem plumas

( Paisagem do Capiberibe )

A cidade é passada pelo rio

como uma rua

é passada por um cachorro ;

uma fruta 

por uma espada.


O rio ora lembrava 

a língua mansa de um cão ,

ora o ventre triste de um cão.

ora o outro rio

de aquoso pano sujo

dos olhos de um cão.


Aquele rio

era como um cão sem plumas . 

Nada sabia da chuva azul,

da fonte cor de rosa,

da água do copo de água ,

da água de cântaro,

dos peixes de água,

da brisa na água.


João Cabral de Melo Neto

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Farta sociedade insignificante

O silêncio perpetuou minha alma;
O sangue poluído correu em minhas veias
Tantos de mesa cheia;
Indignados de seus míseros problemas.
Meus supostos amigos embriagados
Sufocados de blasfêmias.

Por que cultivamos tantos idealizadores?
Se nem mesmo temos valores.
Rodeados de máscaras se decompondo,
entrelaçados por vermes
Estamos todos contaminados por germes.

Compartilhamos os mesmos parceiros;
Alegando que somos boateiros.
Quanto vale a sua ética ?
Mais que suas palavras antiéticas ?

A manhã tornou me platônica
À tarde logo serei mortal
Enfim à noite Vosso Deus estará morto
Assim seremos eternos encostos.

Yohanna. 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Precisar voar é mergulhar no abismo quando não se tem asas.
Wilson 

sexta-feira, 22 de julho de 2022

 no gigantesco teatro do mundo, jaz uma máscara partida.


Wilson Roberto Nogueira

Despencando de cumes em quedas grandiloquentes, uma retórica de auto enganos pingando uma vida estéril.

Wilson Roberto Nogueira

 O abismo engoliu o grito que pariu no silêncio a dor do vazio

diante de um sonho ausente 

abismos engavetados em uma alma sem utopias.


Wilson Roberto Nogueira

 " ...a vida leva eu "

Não, o meu projeto de vida é superior a auto sabotagem cotidiana, é vencer o peso dos dias.

Ser um profissional que não tropeça nos diálogos  e nas letras e cultivar a empatia e a alteridade.

Continuar a trilhar os caminhos incertos do apreender a aprender e preparar me para morrer no esquecimento.

ter a capacidade de ouvir sempre e continuar se aprimorando, estrada longa.


Wilson Roberto Nogueira. Curitiba , 21 de julho de 2022

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Caro Amigo

Caro amigo
Amigo raro
Na prosperidade
Na adversidade 
Amigo puro
Seguro fiador
Amigo na dor
Igualmente no favor
Jamais nos desampara
Será consolo
Tesouro precioso
Dádiva do céu. 
Luiz Romaguera Neto
Academia Paranaense de Letras.
Gazeta do Povo. 10/01/01.

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

 

entre uma noite

e outra

um ligeiro fulgor:

esta é a vida

isto é tudo

que temos

e somos

 

por isso vamos dançar

ébrios da luz

dessa chama breve

que a vida

é este pouco

este quase nada

 

isto é tudo

e este tudo basta:

 

uma chama

um chamado

uma dança

de duas breves

borboletas

 

Otto Leopoldo Winck

 

quero me cortar

com gilete farpas lascas latas

e cacos de vidro

quero sangrar

chorar estrebuchar dançar

e grafar no muro mais sujo

teu santo nome em vão

quero viver morrer matar

me alistar na legião estrangeira

farcs hezbolah pkk

só pra aflorar

teu instinto maternal

e te ouvir gritar

meu bem meu bem

não vá

 

Otto Leopoldo Winck

EM RESUMO

 


 

O pouco que eu sabia me bastava,

meu sonho era maior do que o universo.

Eu, guri, com olhos jaboticaba,

pela janela, perseguia um verso.

 

As estrelas, ligando o pisca-pisca,

iam além da casa dorminhoca

e eu, como um frango, no quintal, que cisca

à cata de buracos de minhoca,

 

riscava o céu de coração aberto.

A via láctea acesa me dizia

em letras garrafais: VOCÊ ESTÁ CERTO!

No sonho, o que eu criava acontecia.

 

Foi do céu que meu coração caiu,

como uma bomba no meio do peito.

Nem sei como essa luz me consumiu,

eu, simples verbo sem nenhum sujeito.

 

Bem mais velho aprendi, eu era humano,

vinha de um cemitério de farsantes,

onde um coveiro-deus ia empilhando

as sobras dos meus sonhos delirantes.

 

Contra o silêncio cúmplice da raça,

eu quis gritar meu desespero eterno.

Botei a humanidade na carcaça

e, juntos, fomos todos para o inferno!

 

antonio thadeu wojciechowski

TEU NOME

 


 

Teu nome poderia ser Suzana

se não houvesse tantas

neuzas, solanges, beatrizes

santas

ou não-santas.

 

Teu nome poderia ser Silêncio,

se não doesse tanto.

 

Mas dói e no entanto eu canto e rimo

sono,

sino,

carne.

E rimos sem querer,

porque o instante existe e a canção é tudo e derramamos vinho no tapete.

 

Teu nome poderia não ser nada,

uma palavra que o vento esqueceu

de madrugada,

em algum velho banco de praça,

velho canto de bar

(lugar-comum, não é?).

 

Espelho, por que me olhas com meus olhos?

Infiel! Enquanto eu viro, tu me trais e envelheces.

Teu nome poderia ser... sei lá!

Ser, simplesmente ser.

Mas dói

e é triste acordar todos os dias

com a saudade de não-sei-o-quê.

 

(Olha, enquanto falávamos

a porta bateu com o vento

e o tempo passou

e passamos também.)

 

Teu nome poderia ser Saudade

porque este sol morreu

e em seu lugar

o luar não veio

e ficou em meus dedos somente

a leve sugestão de um seio.

 

Porém,

perdido vou me refazendo no caminho

e buscando aflito

a sina,

o sinal,

e o sentido

do teu nome.

 

Otto Leopoldo Winck

 

(Do "Flor de barro".)

ELEVADOR DE ALMAS

 


 

Esta noite aqueceu meus pensamentos,

não consegui dormir de tão contente.

Então sentei-me à mesa e calmamente

abri meu coração aos quatro ventos.

 

É nessas folhas soltas sobre a mesa

que o outono do poeta cai em versos.

Sei, meu mundo não é o dos espertos,

bato tambores com delicadeza.

 

Há em mim uma prece que me apressa

como se fosse o último minuto.

É a vida que tem pavio tão curto,

que vai eliminando o que não presta.

 

Meu velho e bom mau humor, meu cinismo,

fazem piadas da miséria humana.

Mas não rio mais dessa gente insana

com seus céus e ataques de estrelismo.

 

Os meus olhos estão nas coisas simples,

porque é nelas que tudo está escrito.

Não há pegadas nos passos seguintes

nem nas visões que elevo ao infinito!

 

antonio thadeu wojciechowski

 

Por que perturbamos

o fluxo dos dias

com nossas retinas

cheias de cobiça?

 

Melhor descansar

e esperar que o outono

leve enfim as folhas

do verão fanado

-- e nos acostume

ao sono sem sonhos

que em breve seremos.

 

Otto Leopoldo Winck

BEAT

 


 

entre a santidade

e a insanidade

não há mais que um vão

 

pois é: passei o Rubicão

 

sou agora

– totalmente perdido

e beatificado –

pura iluminação.

 

Otto Leopoldo Winck

EU NÃO SABIA

 


eu devia saber

o sol ia estar por cima da carne seca

e nada seria diferente

do que teria que ser

 

a minha alma vesga

indecente

não se contentaria com menos

eu devia saber

 

não foi a primeira vez

os detalhes, sim, os pequenos

subestimei-os talvez

pode ser, quem sabe?

 

eu devia saber

ela chegou falando a verdade

o importante é ser; não, ter

mas eu andava meio surdo

 

dela – aquilo era tudo pra mim

dela – a causa do meu surto

dela – a raiz ruim do jasmim

dela – esse ela e eu

 

carne, nervo, músculo, esperma

e o silêncio que veio viu e venceu

ficamos assim à espera

deitados, que em pé cansa

 

muitas luas depois

ainda havia dança

eu e ela, não os dois

eu devia saber

 

tentou me fazer compreender

que desse jeito não podia ser

mas era cedo demais para ver

o melhor de mim ainda ia nascer

 

antonio thadeu wojciechowski

NIETZSCHENEANO

 


As musas estão mortas

e o Espírito do Senhor já não me visita com a mesma regularidade.

Ando a esmo,

procurando o outro no mesmo

e o todo no nada.

Ainda resta

uma réstia de sol detrás dos últimos edifícios.

Mas é difícil virar a esquina, engolir a saliva

quando, morto o amor, não sobra nem raiva nem rima.

Mas quem sabe

se eu te visse sem blusa,

do grande caos que há em mim

nasceria

uma estrela bailarina.

 

Otto Leopoldo Winck

TEMPO SUJO

 


 

No Brasil, é agosto

o mais cruel dos meses.

Apesar do escândalo dos jasmins

e da solar promessa dos ipês,

a tarde virara uma noite de agudas estalactites.

Não ousei virar o rosto para trás,

pois não pode haver passado onde o futuro é um acinte.

As trombetas talvez soem álacres

diante do impropério de estar vivo. Rasguemos

as ilusões: o horizonte agora é outro.

Na esquina, um pedinte exibe as chagas e o sangue é vil e sujo como a vida. Volto para a casa,

anônimo de mim. Tornei-me enfim adulto.

(Sei que em algum lugar uma criança negra morre

com um tiro na cabeça.)

Não tenho adagas para me rebelar.

E a adega dos poemas está seca. Como os olhos.

Carlos, o tempo ainda não chegou de completa justiça.

O tempo ainda é de fezes, alucinações e golpes sujos.

 

Otto Leopoldo Winck

(De 'Cosmogonias')

TRABALHÓLATRA

 


É altamente efiiciente

Ficar doente nas férias

Nunca parar pra espirrar

Desobstrui minhas artérias

Nem descanso me dará encosto

Nenhum espelho para meu rosto

Estou a anos-extra da folga

Um simples cafezinho me droga

Deus não me ajuda, mesmo assim madrugo

O sétimo dia foi seu maior absurdo

 

(Antonio Thadeu Wojciechowski e Sergio Viralobos)

quinta-feira, 25 de junho de 2020

NEGRO FORRO



minha carta de alforria
não me deu fazendas,
nem dinheiro no banco,
nem bigodes retorcidos.
minha carta de alforria
costurou meus passos
aos corredores da noite
de minha pele.

Adão Ventura


Os escombros caem da geometria
E tudo brilha aos pedaços.
São puras as letras do poema
E o caldo que me bebe é o escuro.
Sou aos pedaços, sou outro
E pouco caibo nas altitudes do homem.
Meu olho vela nas sombras.
Minha mágoa é pouca e tanta
Que pouco sobra em meus ossos.
Todo poeta se vê na agonia.
Todo poema é um relato de nada."
RR

RELENDO CLARO ENIGMA


                   
Fronte contra a pedra
se elabora
uma comum temperatura.
– O punho duro cava o peito:
ira?
Ou contenção madura?
Água ou suor, a pedra
inspira?
E tua fronte – chora?

Maria Ângela Alvim


Os menestréis do mundo são bem poucos.
Uns arrebentam arrebentam amores enlutados,
Outros se encantam nas paixões, já loucos."
RR

DE VASTA AÇÃO



Vai seiva secando
das selvas que ando
lanhando e lenhando
das caças em bandos
vou em debandando
as unhas e os voos
nos amplos dos campos
o peixe vai pondo
desovas no chão
dos côncavos quando
as águas bebendo
eu vou destes rios
e no mar urinando
ah tempo a sugar
o suco do sangue
que vem sua lama
secando nas almas
vai lua velando
com sua mortalha
um sol que me lanha
com suas navalhas.

Libério Neves 
#PVpoetas2020
fonte : Romélio Rômulo


Quem ama a casa secreta
Do meu olhar, pura nona
Sinfonia de poeta?"
RR

CANÇÃO DO EXÍLIO



Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade!
Obs.: Ao usar o mesmo título do conhecido poema de Gonçalves Dias, “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o Sabiá / As aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá”, Murilo Mendes, modernista, cita e parodia o poeta romântico.


Murilo Mendes


#PVpoetas2020
fonte : Romélio Rômulo

 [... O banzo da província
cedeu ao underground
xintoísta? Ou está
injetado nas estações
tubo?...] 

Tímida Babilônia, Ricardo Pozzo

OS MENINOS E EU



Os meninos empinavam pipas;
Eu, pássaros
Os meninos folheavam revistas de garotas nuas;
Eu assistia ao namoro dos sapos
Os meninos iam ao cine;
Euatravessava a pé o igarapé
Os meninos desenhavam piratas tesouros, navios;
Eu, a escafandrista solitária
Agora
Solidão nos devora
Em negros prédios
Meio à elite ignara
Os meninos vestem
Negro/desencanto
Seguem com cifras
Nas pupilas vítreas
Tão tristes os meninos
Reclusos, bebendo
O índice Dow Jones
Com café
Trocando de amantes
A cada inverno
A alma pesada os faz andar
Em cadência de elefante
Eu desenho gravuras
Teço minhas roupas
Escrevo poemas
Não atravesso
O vidro frio do templo moderno
- Shopping center –
Não atravesso
A porta de cedro
Do antigo templo
- Enquanto o Vaticano
Não doar aos pobres
Todo o ouro seu -
Vivo nas esferas
Desço ao chão
Para pisar águas dos igarapés
Adormeço
No berço-arraia
Que me embala/azul
No “mar / belo mar selvagem…”

Bárbara Lia

MACHADO DE ASSIS: OPRESSÃO, OBSTINAÇÃO, SUPERAÇÃO -- A MORTE NÃO O QUIS CRIANÇA



*
Ele nasceu com todas as pré-condições para dar errado na vida, para não ser nada na vida, para não ser notado, não ser visto nem admirado na vida.
Imagine alguém nascido assim: preto; pobre; descendente de escravos; pai preto e pobre, pintor de paredes; mãe lavadeira; morador de morro; com problemas nervosos; gago; epiléptico; sem estudo...
Imagine que a morte não o levou criança e ele  “escapou” com vida ao duro período ali do primeiro aos cinco anos.
Mas, como desgraça pouca é bobagem e atrás do pobre corre um bicho, sem contar que além da queda vem o coice, aos seis anos, a mãe morre.
Depois, morre a irmã.
Aos doze anos, morre o pai.
A madrasta e viúva, pobre, torna-se doceira em uma escola.
E o menino, órfão de mãe e pai, torna-se vendedor de doces na escola.
Nas “folgas”, o pequeno vendedor de doces, para ter alguma “educação”, espia as aulas ministradas para os estudantes.
Não fez curso superior.
Com tudo isso “contra”, essa pessoa escreve. Torna-se fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. 
Escreve muito. Escreve bem. Escreve excepcionalmente bem. Escreve em qualquer gênero. Contista, cronista, crítico literário, dramaturgo, folhetinista, jornalista, poeta e, sobretudo, romancista, romancista dos melhores  --  senão o melhor --  do Brasil. E o maior escritor negro de todos os tempos, na opinião mais do que abalizada de Harold Bloom (1930-2019), historiador literário, escritor, professor, crítico literário e jornalista norte-americano, dos mais respeitados do mundo.
Joaquim Maria Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839. Nasceu hoje e renasce sempre, a todo instante, com estudos nacionais e internacionais sobre sua obra. Com publicação e republicação de seus livros no Brasil e no estrangeiro. Com citação de suas frases nas redes sociais, nos grupos digitais.
Falecido em 29 de setembro de 1908, na mesma cidade em que nasceu, Rio de Janeiro (RJ), Machado de Assis tornou-se exemplo de qualidade como escritor e de superação como pessoa.
Já escreveram, e continuam escrevendo, quase tudo sobre ele. Viraram de ponta-cabeça ele, seus livros e seus personagens.
Com menos de 70 anos de idade deixou uma vida que não morre...
...e uma morte que não se esquece...
Viva Machado de Assis.

EDMILSON SANCHES


A morte é tanta
Que no dia morto
Sai a visão, o tempo
Pouco visto
O olho não é olho, é só
Um quisto
Meu mundo é quando, o
Meu corpo é torto."
RR


Amedrontados avaliam que as manifestações das torcidas organizadas podem ser desculpa pra uma tentativa de Golpe. Quando se pretende um Golpe a desculpa aparece, qualquer que seja.
As populações do mundo vão pra rua e vão forte: pode ser na Grécia, França, Espanha, UK, EUA e outros. E o pau come.
A esta hora o valentão Trump, que disse ter cães matadores, está escondido sabe-se lá em que ponto da Casa Branca."
RR

NO ALVO



os dados
da roleta rolam
no sentido inverso
da lógica anti-horário
há uma idiossincrasia
no vulto dessa engenharia
de ressignificações
embaralham-se as cartas
entre ágeis trapaças:
o feitiço enfeitiça o feiticeiro
não há punhos nem cartolas
a desafiar a matemática
desse cassino de signos
sinais do caos no tao do cosmos
uma catastrófica manhã
de sangue respingado
no linho do terno extremado 
façam seus jogos, senhores,
a aposta posta à prova
o mestre de cerimônia
com sua gravata de fuzis
será alvejado na testa
o jogo é suicida
o tiro, certeiro
Luis Turiba, 20.06.2020


SONETO METÁLICO(Para Timon)



Na margem esquerda do Parnaíba
Nascida da Vila de Flores
Uma terra de gente aguerrida
Que aos ancestrais canta louvores
Defronte à capital do Piauí
De onde vemos o sol levantar
E a Lua nascer a sorrir
Vivemos a lhe contemplar
A Ponte Metálica onde passa o trem
Que se arrasta na estrada que vem lá da ilha
Além da passagem,  nos faz grande bem
O apito da locomotiva dita o tom
Unindo os Estados na mesma família
Ligando Teresina à nossa amada Timon.


 Soneto(Lucas Stefano, em Timon, 08/06/2020)



AREIA



Da estátua de areia,
nada restará,
depois da maré cheia.

Helena Kolody


Áspero rancor, onde eu espero
na estrada final da agonia
minha gana de morte. Eu só iria
ter este som no sangue, onde te quero."
RR
Romério Rômulo


Áspero rancor, onde eu espero
na estrada final da agonia
minha gana de morte. Eu só iria
ter este som no sangue, onde te quero."
RR

Tropicanalizado




Deixar de falar em inglês, para começar, por uma semana, nem a palavra wifi que soletrarei como pífia ao não bem  fluturar num ar de pífanos
Transformando-a em português oxigenado, num átimo, em vivificação
Comer muitas bananas muito loucamente, ananizar
Me espanejar de bananas
Me untar, melar-me o pau de bananas amassadas, unguento, lambuzando de melancia celeste o resto do corpo
Mergulhar com a cara num explodido abacaxi
Com as próprias mãos de comer de enfiar nas frutas
Não usar mais talher
Comer com as mãos e a boca de mar ostras imensas na mais distante vila caiçara do litoral de são Paulo
Mergulhado nos sabores e tremores dos tensos frutos densos da Serra do mar
Em sabores novos com leite de torvelinho novinho não mais me envenenar
Nem gritar palavras dos outros, das águas dos cocos beber sem final
Com a língua saborear canção dos sabores sem fim
Com goiabas me ajuntar na areia da praia com todos os abacates
Numa festa de entonações comportamentais inesperadas
E comer sem parar as jabuticabas ancestrais já dentro do mar e mergulhando para me refrescar da pimenta brava mais doce, de alturas cósmicas desconhecidas, depois cantar na praia uma novíssima canção guarani com gosto de fruta ainda mais nova e superpostamente
Ainda mais tenazmente, viva
Só falar tupinambá
Tupi estelar, sementes iluminadas transsilabares
Com vozes da África
Do céu noturno sideral
Cintilando em meus colares
Suas luzes frugíveras
Seu mel inconquistável
Imelginação?
A partir dessa semana só luz,
noites estreladas
Nunca mais vou falar qualquer palavra inglesa, encheu, enjoou, impregnou, nada agora fora do nheengatu
Vou me esborrachar em mamões como um gato maracajá
Voltando a ser o pajé de uma aldeia remota
Depois de numa clareira sombreada me refestelar no carnaval pastoso de todas as frutas
Me alisar com a polpa doce dos melões, untar-me com a completa mente-bruma de sucos do ambiente
Vou me irmanar com as atas, me lambuzar delas, para fugir das palavras em inglês
Com milho para mastigar nas praias da montanha do mar
Em festivais de fogueiras alegres
E nômades viagens pelo mar em flautas-canoas à ilha coberta de matas com olhos de cachoeira do sol-com-atabaques saindo do nevoeiro
Mandiocas voadoras em caçarolas de argilas primevas loucas
Flutuando intergalácticas sobre o mar da floresta atlântica
Girando cada vez mais ultrarrápidas girando até o fulgor.
Tapiocarei, frugívoro, para esquecer para sempre William Shakespeare
Num marítimo pomar nu esporrando sucos de eternos frutos tropicais


Poema de Carlos Emílio Corrêa Lima
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terça-feira, 9 de junho de 2020


a mosca azul não era sorte
era o abutre sobre o teu cadáver
de que me adiantam as janelas
se velo o féretro que me escampa

só me resta do caixão fechar a tampa

a trampa tácita da tua partida
um dia cinza pós apocalíptico
aqui o que me resta é a paz do rito
a tua alma que paira empoleirada

& eu que me deito e medito neste nada

William Teca


as horas




● ?posso te pedir uma coisa ●
● a escuridão ta doida demais com tudo isso ●
● esteiras de tanque passos tiros gritos silencios ●
● nos furam como espinhos de cactos secos ●
● temos bastante vinho o q conversar e recordar ●
● temos ideias do nosso horror e devemos calar ●
● ?posso te pedir q fique comigo so agora ●

● nada podemos ver alem das vidraças ●
● mas com certeza ha mortos em todos os lados ●
● ha paredes desabadas casas destruidas ●
● fogo grosseiro em tudo q nos rodeia e esmaga ●
● temos pão temos vinho queijos e ovos duros ●
● ate musica se bem q devamos fazer silencio ●
● ?posso te pedir q fique comigo essa noite ●

● sim recitaremos no escuro o canto 8 12 e 34 ●
● no q nosso mundo se transtornou e nos rasga ●
● eu bem docemente no teu ouvido como se fosse ●
● pra ser assim mesmo não sendo aquela beleza ●
● q nos exaltava na luz do sol e cheiro de mangue ●
● so não posso falar alto nem podemos rir não ●
● ?posso te pedir q fique comigo nessa vereda ●

● ouve a historia de bal shem q invocava deus ●
● morrendo disse o lugar e como arder a madeira ●
● como orar e deus viria e a segunda geração ●
● esqueceu o fogo a terceira esqueceu o lugar ●
● na quarta geração ninguem lembrava nada ●
● ninguem jamais viu deus nem mesmo bal shem ●
● ?posso te pedir q fique comigo nessa solidão ●

● vc ja sabe q não voltaremos as estrelas a morte ●
● essa sim sabe dançar sabe cantar e se alegrar ●
● sabe tudo q esquecemos tudo q nem sabemos ●
● se fomos um dia e apenas sonhamos q sim ●
● sabendo q esse sim não basta e rosnamos sim ●
● vc sabe no q nos tornamos eu choro sossozinha ●
● ?posso te pedir q fique comigo de mãos dadas ●

● a calma vem como laminas polidas pelo tempo ●
● se não fossem as vidraças ja tariamos fatiados ●
● sem esse piano praonde olhamos imaginando ●
● todas as nossas musicas sem poder tocar ●
● alem do vinho temos conhaque rum whisky ●
● gim com aguatonica gelo e limão verdamarelo ●
● ?posso te pedir q fique comigo inda vivo ●

● sente o vento q não nos toca ele passassim ●
● como um cavalo sem cabeça e esqueletos ●
● de rebeldes esqueletos de mulheres e crianças ●
● de pobres e gays negros torrados em postes ●
● todos queimados tentando sonhar nesse odio ●
● tudo q não é nada tudo q nunca pudemos ser ●
● ?posso te pedir q fique comigo sem querer ●

● ha leite farinha de trigo assucar e passas ●
● podemos fazer um bolodepassas fazer cafe ●
● fatiar o bolo pronto e comer com goles de cafe ●
● so nos olhando sem pensar em nada la de fora ●
● nos olhando comendo bolo de passas com cafe ●
● a conversa faz o tempo passar isso é bom ●
● ?posso te pedir q fique comigo nesse inverno ●

● pega os primeiros figos deste ano perverso ●
● sente as gotas escorrerem depois da dentada ●
● as sementes sob a lingua a carne doce do figo ●
● descendo pela garganta a alegria da vida a vida ●
● a vida plena a vida q inda resiste apesar de tudo ●
● sempre apesar e continuam figos eis a vida sim ●
● ?posso te pedir q fique comigo lutando sempre ●

● ha pas e martelos picaretas e carrinhos de mão ●
● podemos cavar no porão a covardia e o medo ●
● criar aqui embaixo um labirinto sem minotauro ●
● criar depois de muito cavar paz e leveza sim ●
● mesmo sabendo q isso é impossivel eu sei sim ●
● mas la fora ta tão escuro tão brutal e insano ●
● ?posso te pedir q fique comigo mesmo vc morto ●

*

postado  no face e no meu blog de Alberto Lins Caldas  em 21 de julho de 2019.

para Íris Luíz q o encontrou enterrado e Ursula q o tornou um momento de vida e respiração, obrigado.




BEM NO FUNDO



Paulo Leminski

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

TO BE OR NOT TO BE (a questão não é essa)



...ultra polarizado, "o país" se divide entre "quem é" e "quem não é", seja comunista, fascista, pacifista, de esquerda, de direita, socialista, neutro, contra, a favor, em cima do muro,gay, homofóbico, sindicalista, vilão, mocinho, honesto, corrupto, querido, amaldiçoado, canalha, pelego, desempregado, etc...
..."o público" e "o privado" não se dividem entre o "civil" e o "militar", uma vez que, ambos, associados ou separados, unificam-se na composição do "Estado", que também possui suas divisões conceituais - no nosso caso, somos uma "República Federativa", sem parlamentarismo e com mais ministros do que ministérios (algumas secretarias tem caráter de ministeriável e, até igrejas também chamam de ministro seus pastores)
...a charada, que podemos atribuir conceitualmente tanto à Kant quanto à Wittgenstein, impõe suas alternativas lógicas a favor do negativismo, quando "a nação" que institui "o Estado" é dividida pelo vetor ideológico simplista em 3 espaços adjacentes, nem sempre radicalmente excludentes (caso dos poderes executivos, judiciários e legislativos)...
...nem sempre consecutivos, embora se proponham colaborativos, esses 3 poderes interagem em questões comuns da "vida pública" que afetem a "vida privada".
...dois desses "poderes" possuem suas subdivisões (o Legislativo tem duas casas e o Judiciário, instâncias hierárquicas definidas no "status" de Tribunais, havendo até um Tribunal exclusivo para casos fora da esfera "civil"), e o Executivo, com a hierarquia do Vice, apesar de sua "unidade vocativa", requer observação rígida sobre seus atos, é passível de interpelação pelos outros poderes que o sustentam à luz e orientação dos artigos constitucionais...
...a charada torna-se complexa e inexpugnável quando os poderes concentrados no "Estado" não se complementam em relação às demandas oferecidas pelas questões "públicas" nem se suplementam na ordenação, disciplinar ou regulatória, das questões "privadas"; sendo que, em ambos os casos, os posicionamentos autoritários, nem sempre passíveis de serem carimbados com o selo de "ditadura", não beneficiam nem resolvem as questões que são próprios ao funcionamento de uma sociedade livre e acabam por gerar conflitos com consequências imprevisíveis, sendo que as mais prováveis são a ruptura harmônica do bem-estar social, separando "o estado" da "Nação", e a indiferenciação do "Estado" e do "País", cujos resultados são o "caos institucional" e a precipitação de medidas de exceção que podem ser "revolucionárias" ou "reformistas"...
...ao cidadão, seja ele chamado de "comum" ou não (teoricamente, todos o são ou deveriam ser), as charadas políticas oferecem insegurança em todos os níveis, quando suas soluções promovem paradoxos, cuja latência é capaz de provocar paradoxos, como o que estamos a vivenciar, tanto no Brasil quanto no resto do mundo: a eclosão de um  anarquismo de extrema-direita!
...a intromissão da pandemia do Corona Virus nos estatutos consuetudinários da civilização veio a desestabilizar o conjunto, não só no território dedicado às políticas públicas; como também, nos ambientes domésticos da vida privada.
...cada "país", de acordo com o modus operandi de seu "Estado", tem oferecido o suporte que lhe é possível à "Nação"; assim como cada "Nação", tem demandado à seus "Estados", atenção e medidas públicas que mantenham "o País" controlado, diante dos desafios que um "gene virótico" invisível e impiedoso.
...voltamos à charada inicial, instalamos seu "é o não é?" (uma variação "axiológica" do hamletiano "to be or not to be") no perímetro do "país" chamado de Brasil e observamos que, em seu potencial ideológico, a "Nação" que hospeda, de forma inequivocamente democrática, o "Estado" que a governa, ao invés de estar sendo exposta a uma solução, tem que lidar com um paradoxo excessivamente complexo para sua capacidade de compreender a questão e, com método e participação voluntária, colaborar para uma resposta eficaz do problema ... fora o fato de que o modelo "nacional" oferecido, discorda e vai n contramão de todas as orientações "internacionais", oferecidas por um organismo suprapartidário que, imagina-se, formado por pessoas com excelente nível técnico.
...nossa charada, não é de hoje, tem se tornado um paradoxo que desafia tanto à ciência quanto à religião:
- quanto à polaridade, você é alguma coisa, desde que identifica que outra pessoa seja outra, o que inverte o sentido "ético" da oferta, posto que você depende que o "outro" seja alguma coisa que você "não é, para você ser o que "é"..
...o resultado desta posição narcisista é que você não oferece ao "outro" a escolha de aceitá-lo como você "é"; mas insere uma identidade negativa no "outro" para tornar afirmativa a sua própria identidade - o que, mais cedo ou mais tarde, comprometerá sua saúde mental de modo tão irreversível que nem a tríplice ferramenta "moral" da "culpa-arrependimento-perdão" que norteia a justiça...
...o paradoxo político deste anárquico jogo, em que "escravos de Jó não jogam mais caxangá", mas um "pique-esconde", em que todos se escondem ao procurarem qualquer um, possui uma equação matemática que demanda conhecimentos de álgebra linear (tabuada aritmética não consegue fechar a conta) e profundo conhecimento de algoritmos trigonométricos:
- aqui "quem é" e "quem não é", seja o que for ou deva ser, tem como regra pétrea o trato coletivo de que os "que são o que são" ou acreditam ser, dependem dos que "não são" continuarem a "ser o que "são" ... ou seja, você só "é quem você é" se existirem outros que "não sejam como você é" e a sua vontade deve permanecer num nível superior e inquestionável, cada vez que você proceder a identificação do "outro".
...tudo isso fica cada vez mais impraticável quando você perceber que você identifica que "você é" alguém (que tem outro nome, outra vida e outros afazeres que não são para o seu bico) que outra pessoa "não é" e que existam outras pessoas que "são" como você "é" - não para espantar a solidão, mas para saber que as pessoas que "são" como você acredita que "é", são outras pessoas, que "devem ser" diferentes daquelas que você determinou que não "são" e, para fechar a "prova dos nove", também devem acreditar que "são coo você" quando identificam outras pessoas que "não são"
...era uma vez, um "país" em que o verbo SER foi tirado da língua que a "nação" inteira falava ... um "país" em que ninguém escolhia quem seria o presidente, enquanto chefe do "Estado".
...neste "país" imaginário e tão distópico como uma utopia sem metafísica e sem dialética, a "nação" escolhia o "Estado" que o presidente deveria governar.
...há quem diga que este "país" era democrático e quem dissesse que, apesar disto, a "nação" não era...
...até hoje, não se sabe se, durante as eleições deste "país", ao darem seu voto, os eleitores continuavam a ter propriedade sobre ele
...como diria William Shakespeare, na primeira fala da peça "A Noite dos Reis", cujo título original em inglês era "Twelfth Night, Or What You Will" e ainda precisa de uma melhor tradução Thereza Rocque da Motta e Antonio Thadeu Wojciechowski (copiada por Francelino Pereira e Renato Russo) e onde tudo que era poderia não ser:
"– Que país é esse?"

NEGAÇÃO IRRESTRITA


vire teu rosto assim que me vir
quebre a esquina em pedaços
não há teu lugar em meus abraços
teus pregos e facas me fizeram faquir
mantenho distância do teu porvir
não ouso ocupar os mesmos espaços
faço a pista e apago todos os traços
nunca mais vou estar onde você tem que ir
antonio thadeu wojciechowski