terça-feira, 29 de março de 2011

Leituras de desempregado

Uma das delícias da minha vida de autoaposentado é ler a pilha de livros que há anos aqui em casa esperam um tempo livre. O tempo continua curto, mas já consigo administrá-lo melhor. Agora encarei um conjunto de obras do historiador Eric Hobsbawm. Comecei por A era das revoluções, em torno do eixo da revolução industrial e da revolução francesa, e avancei ao segundo volume, A era do capital (1848-1875), o momento em que a emergência do dinheiro enfim globalizou a Terra. Praticamente tudo que acontece no mundo hoje tem suas raízes na expansão do capital do século 19.



Hobsbawm, de quem já se disse ser um “marxista atávico”, é antes de tudo um narrador maravilhoso que amarra pontas econômicas, sociais e culturais de modo a dar um sentido possível ao caos dos fatos que se amontoam na história. Com ironia inglesa, começa o livro advertindo-nos de que ele odeia o período de que vai falar, a ascensão do capital – e aqui o “atávico” faz sentido. Ao mesmo tempo, tudo que define a civilização ocidental, do fim da escravidão ao advento do iPad, ao fim e ao cabo derivaram da máquina do capital – o lado “bom”, se é que há bondade nessa história. De terrível, a expansão imperial do Ocidente, cuja infinita superioridade tecnológica funcionou como um trator aonde quer que chegasse.



Por acaso, esbarrei no capítulo “Perdedores”, em que o Egito é citado, ao lado da China: “Ambos eram Estados independentes com base em antigas civilizações numa cultura não europeia, minados pela penetração do comércio e das finanças ocidentais (...) e sem capacidade pra resistir às forças militares e navais do Ocidente”. Em consequência, os governos locais “começaram a se desintegrar diante do impacto ocidental”. No século 19, não havia opção senão ficar sob controle direto ou indireto dos conquistadores. O próprio Hobsbawm nasceu no Egito, em 1917, fazendo dele mesmo a prova viva de sua tese.

O problema (e para o capital, tratava-se de “solução”) é que a ocidentalização exerce um fascínio que transforma para sempre o povo conquistado, dos espelhinhos distribuídos aos índios, no século 16, às metralhadores contrabandeadas para facções africanas, no século 20. A passagem cultural para o Ocidente costuma ser um pacote completo e uma viagem sem volta – o que eventualmente derruba ditaduras e arma o milenarismo religioso.



Se os 30 anos de Mubarak estabilizaram a dependência mútua da ditadura e do Ocidente, a revolução das ruas que explode agora pode ser vista, novamente, como um mundo que se desintegra pelo mesmo impacto ocidental – agora da internet, da revolução da informação, da distância entre uma estrutura obsoleta de poder e as exigências irreversíveis dos novos tempos. Sim, há a sombra política da Irmandade Muçulmana, mas não parece claro ainda que ela vá repetir no Egito a regressão iraniana que se seguiu à queda do Xá.

Cristovão Tezza.
Fonte: Gazeta do Povo 08/02/2011

Educação pelo cinema

É difícil medir qual o grau de influência que o cinema exerce hoje na nossa vida. Certamente é bastante, mas já repartindo a sua presença com a televisão e com a internet, num liquidificador de imagens, linguagens e valores. Filtrado por esses meios, o cinema ganha outra natureza, mais fragmentária, tornando-se uma arte de consumo caseiro, “individual”. E o advento da tecnologia em 3D indica a direção de uma indústria que tenta recuperar o seu terreno mais pelo fascínio dos efeitos que por eventuais conteúdos. A relação do espectador com a imagem mudou em substância, perdendo o ritual coletivo de um mundo ainda comunitariamente estável. Não sabemos se e quando a revolução atual se estabilizará em algum ponto; estamos exatamente no centro de uma mudança.

para os que cresceram e se tornaram adultos entre 1940 e 1980, o cinema foi uma presença hegemônica que definiu padrões de estética, ideologias, modas, comportamentos, propaganda, linguagem – tudo foi tocado por ele. E era um fenômeno profundamente comunitário. A ida ao cinema era um ritual socializante que acontecia no espaço público da rua. Ao mesmo tempo, o cinema nos transformava a todos, digamos, em “intelectuais”. Poucos leem um livro até o fim, mas qualquer um consegue ver um filme e dizer o que achou. À parte o entretenimento que sustentava a indústria, bons filmes (e sempre havia bons filmes) eram estimulantes. Discutia-se desde o comportamento dos personagens até a insidiosa “propaganda americana”; em outras rodas, a ousadia estética do diretor, ou a estonteante nudez de Brigitte Bardot implodindo a tradicional família cristã. (Sim, sou do tempo em que mulheres nuas eram um escândalo.)

Na virada dos anos 70, em torno da Boca Maldita, que eu frequentava adolescente ouvindo conversa de gente grande, havia os cines Avenida, Ópera, Rívoli, São João, Arlequim, Astor, Plaza, Condor (esqueci algum?), todos a dois ou três minutos dali. Lembro de frases memoráveis que ouvi, afinando minha educação crítica: “A câmera ainda é indócil nas mãos de Antonioni” –Antonioni era um dos cineastas-cabeça obrigatórios para qualquer candidato a intelectual; outro era Godard. A vertente política era poderosa. Lembro que o filme A confissão, de Costa-Gavras, denunciando o horror stalinista, mereceu de alguém a observação de que “toda partícula da realidade é profundamente mentirosa”, na clássica dialética de justificar o injustificável. Em outro momento, o belo filme O estrangeiro, de Visconti, baseado no romance de Camus, foi aprovado com louvor.

Mais tarde, o crescimento da televisão e a nefasta cultura do shopping center, que vampiriza o espaço público das cidades, acabaram por destruir de vez o cinema de rua nos países periféricos, como o Brasil, antes mesmo que as novas tecnologias da imagem mudassem o padrão da indústria do cinema no Primeiro Mundo.

Cristovão Tezza
Fonte: Gazeta do Povo.22/02/2011

O Bule / Constelação de Ossos










Será sorteado 1 (um) exemplar de Constelação de Ossos - Romance da Escritora Bárbara Lia - pelo site:
O Bule - Projeto Coletivo de Literatura.
Para saber as condições do sorteio acessar o Site:


A inscrição vai até 05 de abril.


(..)

Um nó na garganta e o desejo de romper os véus, derramar meu passado inteiro naquele infinito. Dizer de cada dia que acordei sozinha entre o cheiro de urina e outros meninos de rua, dizer de cada homem que me tomou como se eu fosse um pedaço de nada e satisfez a sanha e saiu na noite atirando cem reais na mesa da sala. Quis dizer e ao mesmo tempo tive a certeza de que alguns segredos são segredos para sempre, eu acreditava nisto, contestando a própria Bíblia. Um eco de uma fala da infância. Os sermões vibrantes do Padre Chico, naquelas missas em que minha mão suava segurando a mão da mãe e que o cheiro de velas rescendia pela igreja pequena. A âmbula reluzente que o padre tirava do sacrário e o som da sineta estridente. A fumaça negra que espargia quando o coroinha sacudia o turíbulo. O silêncio na hora de ajoelhar-se e a sacralidade em cada objeto – no cálice, na patena, na hóstia, nos castiçais. Naquele tempo eu ouvia e guardava fragmentos da Palavra, pesavam mais que chumbo em minhas lembranças.
Não há nada oculto que não seja um dia desvendado.
Meu pensamento no outrora e as mãos de Igor recolhendo o agora. Sonhando um lençol de estrelas para sua amada misteriosa. Tivestes um segredo? Destes que podem fazer seu mundo desmoronar em um segundo? Tivestes que esconder o passado entre as dobras da tua camisa? Guardá-lo entre as rendas da tua roupa íntima? Tivestes um segredo? Tens? Diz-me como traduzir meu passado sem espantar o mel da alma de Igor?
Constelação de Ossos - Bárbara Lia (Vidráguas/2010)
p.73

domingo, 27 de março de 2011

Fonte:Instituto Moreira salles/ images&visions

Estudante

Ele não queria soluções domésticas: sofá, porta para o quarto, depois o sono, mais nada. Preferia sondar a extremidade púrpura de um surto de abismo. De fato, sua cabeça, como se à beira de um penhasco, pendia sobre a taça só com os sedimentos do vinho. O garçom martelando que a casa ia fechar...Mas o que ele queria para além de estar ali? Fez um muxoxo, pediu a conta .Saiu. Circulou em volta do poste ;precisava de um tempo antes de decidir. Programava fazer hora sem saber se teria alguma ocupação para depois? Um motorista de táxi o olhou como se esperasse o sinal de uma nova corrida . Elerespondeu fechando os olhos numa lassidão, até tontear...

João Gilberto Noll. in "Relâmpagos "

A Minha Cultura

Estive em muitas escolas graduadas de galões & uniformes. Cantei o hino, fiz trabalhos e desenhos em cartolinas sagradas ...tudo por essa história pra brasileiro dormir. Ocupei-me em pegar lugar nas filas da frente, de forma que o conhecimento do mundo passasse primeiro por mim. Aprendi a somar coisas que não dão resultado e copiar mapas que não levam a lugar nenhum . Nunca aprendi a dividir. Também decorei um alfabeto de verbetes explicativos, longe de me tranquilizar no travesseiro molhado. Fiz uma série de experiências,feliz por repetir detalhadamente os erros dos outros. Tirei nota máxima na generosidade amedrontada dos meus mestres. Agora estou aqui, conformado nesse diploma emoldurado de paredes.

Fernando Bonassi.in "Da Rua"

TEATRO

e desde


sempre

tudo

se faz

teatro



repetir a

sombra

acender fogueira



reverenciar deuses

homenagear

colheitas...



acentuar

democracia

!



Teatro

um

ato em

ação

!


- Graça Carpes -

MENINO MORTO NO MEIO DA RUA

Menino morto no meio da rua

poça escarlate de olhares dis-

torcidos, cores derretidas,

prédios revirados, vozes

veladas, mundo desabando...



Menino morto no meio da rua

as tuas Mãos rasgadas

não te forneceram escudo

hábil contra os tiros covardes

que rebentaram em teu peito...



Menino morto no meio da rua

buscarei para ti o socorro tardio

de algumas folhas de jornal:

não podes mais estar exposto

aos pombos que dardejam dos fios...

Menino morto no meio da rua

bandeira rasgada de osso branco

folhas verdes e plasma cor de anil


na gota que risca o ar como estrela

Menino morto no meio da rua

a tua imagem e o teu drama

imprimiram-se nas páginas

que há pouco serviam-te

de Manto contra o frio da noite,

e agora pendem das bancas,

e o dia as consome, sonolento,

entre gole e outro de café com

sangue: milagre bem carioca,

Menino Morto No Meio da Rua.



Soube agora que te chamavas

José e foras morto por engano

no lugar de um outro engraxate

menos adestrado que tu

na arte de devolver a face...



Milagres e histórias do meu Rio,

minha cidade de azuis, amarelos

e rubros tons doridos; mais um mártir,

um Cristo, entre miríades de outros...

Menino Morto, José — ensina-nos a orar!





Igor Buys

Do livro “Manelo de Áscuas”; 1999.

quinta-feira, 24 de março de 2011

Deve-se escrever da mesma maneira como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu ofício. Elas começam com uma primeira lavada, molham a roupa suja na beira da lagoa ou do riacho, torcem o pano, molham-no novamente, voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão mais uma molhada, agora jogando água com a mão. Batem o pano na laje ou na pedra limpa, e dão mais uma torcida e mais outra, torcem até não pingar do pano uma só gota. Somente depois de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa lavada na corda ou no varal, para secar. Pois quem se mete a escrever devia fazer a mesma coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer.




Graciliano Ramos

terça-feira, 22 de março de 2011

KAMIKAZES

Doze kamikazes

arrastam a delicada açucena.



Doze kamikazes.



As lágrimas descem

feito fontes.



Nenhuma música

de anjos sonoros,

nenhuma.



Nas nuvens que passeiam,

exausto de tédio, atira longe

o grão da maldade – o dragão da guerra.

Bárbara Lia

in O Sal das Rosa / Lumme Editor, 2007
fonte: face a face
Porque hoje é verão


e o silêncio faz inverno

no meu peito,

Deixo-me preencher

deste vazio inexorável

da tua ausência

absoluta



Lúcia Gönczy

ENGANO (ME)

Finjo que não ligo



Meu pensamento

me condena



A verdade é bem maior

do que este quarto escuro



Quanto mais afirmo

que não amo



Minto.



Lúcia Gönczy

Hai kais de Marta Peres

Recolhe águas

que descem da montanha.

Cheia no rio.




Lua formosa,

diz pra ele que amo!

Chove nos olhos.




Lua, oh, lua!

Vai, busca o meu amor.

Chora a alma!



Marta Peres

segunda-feira, 21 de março de 2011

O Estupor

Um vizinho de morón me referiu o caso:

"Ninguém sabe muito bem por que se tornaram inimigos Moritán e o Pardo Rivarola e de uma maneira tão acirrada . Os dois eram do partido conservador e creio que se conheceram no comitê. não me lembro de Moritán porque eu era muito criança quando ele morreu ..Dizem que a família era de Entre Rios.O Pardo viveu ainda por muitos anos . Não era caudilho nem coisa que se pareça, porém tinha a pinta.Era mais para baixo e gordo e muito espalhafatoso no vestir.Nenhum dos dois era frouxo, porém o mais reflexivo era Rivarola,como logo se descobriu.Desde muito tempo quis se livrar de Moritán, mas quis agir com prudência .Lhe dou razão;se uma pessoa mata alguém e tem que sofrer na prisão, procede como um tonto.O pardo tramou bem o que faria.

Seriam às sete horas da tarde, um domingo. A praça cheia de pessoas. Como sempre, aí estava Rivarola caminhando devagar, com seu cravo na lapela e sua roupa negra. Ia com seu guarda-chuva.De repente, se sentou de cócoras no chão e se pôs a "bater as asas" e a cacarejar como se fosse uma galinha . as pessoas abriram um clarão ao seu redor, assustadas.Um homem de respeito como o Pardo, fazendo essas coisas, à  vista de todo o povo de Morón e em um dia de domingo ! No meio da quadra dobrou e , sempre cacarejando e mexendo os braços , entrou na casa de Moritán, que ouviu a balbúrdia, veio de dentro para fora. Ao ver o seu inimigo, que se balançava, quis voltar, mas uma bala o alcançou e depois outra. Levaram a Rivarola entre dois guardas . O homem forcejava, cacarejando.

Em um mês estava em liberdade.O médico forense declarou que havia sido vítima de um brusco ataque de loucura. Por acaso o povo inteiro não o tinha visto, se portando como uma galinha?

Jorge Luís Borges

segunda-feira, 14 de março de 2011


passo e passante, somos a busca de uma chegada ou a própria chegada na ressonância dos nossos calcanhares;desaparecemos no horizonte da lembrança,revivemos nos portos da catarse;o que existe sempre é um ser que caminha.


foto e texto: Tullio Stefano
caminhantes nos recortes de ruas e milênios,presas construídas de civilização,todavia,solitariamente humanos,passantes do movediço sono para o despertar tão raso quanto a poça dos calendários,tão fundo quanto o acenar de uma brisa.


foto e texto de Tullio Stefano.

‎''E eu descobri : os portos de madrugada


preservam o exalar da recordação

daqueles que nunca caminharam por suas vielas.

(Leandro Vicelli)
Foto de Tullio Stefano

domingo, 13 de março de 2011

Selbstlos(alemão):Desinteressado
"Sem si mesmo "
Nietzsche:Sem um eu, sem um ser próprio.
"Nullum unquam exstitit magnum ingenitium sine aliqua dementia."
Jamais existiu gênio algum sem laivos de demência.

Doce Pedra

Teus olhares, doce pedra
Minha vida, falso olhar
Nossos mares, u'a fera
Pedra ferida, açomar .

Ricardo da Veiga

Centurião da dor

I
Salte a dor,
Salteador
II
ver
si fica
dor
Alberto Centurião

sábado, 12 de março de 2011

Blitz Cultural em Curitiba

Poesias “leite quente” serão declamadas nos bares da cidade neste sábado



Neste sábado, a partir das 20h, não se espante se um poeta começar a declamar poesias na sua mesa. Esse é o resultado de uma parceria entre a Abrasel PR (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes no Paraná) e a Fundação Cultural de Curitiba, que dão início à Blitz Cultural com o objetivo de levar poesia curitibana e entretenimento ao público. Os poetas vão percorrer 18 bares para inundar a cidade com cultura nos dias 12, 19 e 26 de março.



A Blitz Cultural percorre neste sábado os bares Cana Benta, Cantina do Delio, Bar Estofaria, Bella Banoffi, Happy Burguer e Quermesse, localizados no circuito da Rua Itupava, Alto da XV e Bom Retiro.



A ação será rápida, de 20 minutos em cada bar, onde um músico com instrumento de sopro vai chamar atenção do público e um artista declama em seguida uma poesia. “A iniciativa vai dar oportunidade para que a clientela dos bares possa ter, além de diversão, acesso a um cardápio cultural de bom gosto”, afirma o presidente executivo da Abrasel PR, Luciano Bartolomeu.



A Blitz Cultural, que faz parte das comemorações dos 318 anos de Curitiba, prossegue nos dois sábados seguintes. “Em uma noite devemos atingir cerca de três mil pessoas com música e poesia. Isso é muito importante para tocar o coração das pessoas e nada melhor do que poesia e música para isso. Além disso, essa iniciativa também visa valorizar os artistas da cidade, nossos poetas e nossa cultura”, informa o empresário Délio Canabrava.



Serviço:



Blitz Cultural



CanaBenta (Rua Itupava, 1431)



Bella Banoffi (Rua Itupava, 1091)



Estofaria (Rua Itupava, 1436)



Cantina do Délio (Rua Itupava, 1094)



Happy Burguer (Av. Marechal H. Alencar Castelo Branco, 251)



Quermesse (Rua Carlos Pioli, 513)



Fonte: Blog Leituras Favre

Escritos de Mário Alvim

Da champagne gritando no teto lá de casa e da criançada correndo atrás da rolha।
- É minha, é minha, é minha!!!!


Mais uma
As janelas do meu coração. Minhas portas – sempre abertas. Meu travesseiro. Os ponteiros do meu único relógio. Minha música... tudo incondicionalmente teu. E só teu. Meu vaga-lume um dia lua cheia. Hoje brasa de cigarro. Cada cantinho da minha alma está fora de mim, perdidos em bancos de praças de cidades que eu nunca visitei. Não foram facadas. Nem tiros, foram palavras e ações que me fizeram acreditar por quase eternos sessenta segundos que eu nunca fui Mario Auvim. Você, sóbria e sombria, traiu e enganou todos os meus sentimentos. E em noites fantasmas me visitavam, mas ontem eu cansei e fizemos um assalto à geladeira.


Meus Amores

Passeio - (mini - conto)
Fim de tarde ameno. Jardim Botânico. Seu Bernardo, 72. Aos primeiros pingos abriu o guarda-chuva e voltou a abraçar Dona Antonia, 70. Jardim Botânico.



Vovó Marta - (mini - conto)

Marta. Vovó de 8. Mamãe de 3. Nas mãos sacolas cheias de mercado. Cansou no meio do aclive. Não continuou. Uma olhadela ali. Outra acolá. Mais um instante. E outro. Tomou ânimo. Foi.



A Mesa da sala de jantar


Afeiçoada em banquetear dias especiais. Nossos dias especiais. Momentos que marcaram meus castanhos olhos e os seus amendoados, ainda povoam de luz minhas lembranças, aquecendo galopantemente meu coração como fogueiras de São João em dias que estou quase Crosue. Lembro-me dos muitos estrogonofes. Copos entornados. Manchas de molho de tomate em toalhas apressada-men-te preparadas para aqueles ternos tempos. Além, é claro, das Risadas. Jogos de cartas. Amigos nossos e parentes seus, que aquela Mesa acolheu com tanta plenitude. Honestidade. E Amores. Muitos Amores.




 Meus Amores
1993


Vida vinda
Vida ida

De ar invernal
De hábito oriental

Ser e estar
Meu bem estar

Vida foi e é
Nunca mais será

Vida tinha nome
Queria teu sobrenome

Vida em letras
Vida em números

Quando tinha 20
Ela 22

Hoje 26
E eu mais ninguém

Vida segue
Segue vida

Vai!
Vai, segue Vida!


*

Vidas que se chegam e que se vão,
sempre deixam um pouco delas
levando um pouco de mim.


Mário Alvim
"Já agora te sigo a toda parte,


e te desejo e te perco, estou completa,

me destino, me faço tão sublime,

tão natural e cheia de segredos,

tão firme, tão fiel... Tal uma lâmina,

o povo, meu poema, te atravessa."





Drummond
"Eu não quero as réguas


Para traçar os meus caminhos

Eu prefiro as éguas

Num galopar torto y veloz!"



Antônio Sodré

A PONTO DE PARTIR

A ponto de

partir, já sei

que nossos olhos

sorriam para sempre

na distância.

Parece pouco?

Chão de sal grosso, e ouro que se racha.

A ponto de partir, já sei que nossos olhos sorriem na distância.

Lentes escuríssimas sob os pilotis.



Ana Cristina Cesar

terça-feira, 8 de março de 2011

Mucosas

Estavas em coma aquela noite.Bati na vidraça do teu quarto esperando que me acolhesses com a lareira acesa, mas te vi na cama, com a cabeça meio para trás, lembrando vagamente a máscara mortuária de uma figura guaran; não parecias respirar, na certa tinhas bebido até cair, até chegar ao submundo mental, ao turismo pelos cemitérios de neurônios. Voltavas depois pra mim tão sem pistas, que perguntavas teu nome, tua procedência e tudo. Estavas em coma. Tanto, que quebrei o vidro com o punho e entrei. Sangrava minha mão. Vi que não havio o que fazer. Já tinhas certa lividez laqueada e só me restava te velar. Foi o que fiz? Não, não foi: deitei sobre o teu corpo e abandonei a língua na tua boca até clarear não só o dia, mas também a idéia de te incinerar.

João Gilberto Noll

SOBRE O CARNAVAL...

Há o lado antropológico,

que é fascinante...

Pense no que ñ lembra...

Na sua memória

primeira...

...Pode estar lá, no seu DNA...





Pular,

pular

olhar no olho do outro...

buscar o toque da pele

o som

do tambor

brincar de amor

suprir os afetos em falta...

em

alta...

o que importa?

destranca a porta da tua alegria e...

vai!



- Graça Carpes -

segunda-feira, 7 de março de 2011

A primeira crônica a gente nunca deleta

Já comecei mal. O título é péssimo. Um trocadilho desenxabido a ponto de vexame. Mas e daí? O que não mata engorda. Abalofar um texto é mais fácil que rechear um peru e muito mais fácil que emagrecer no Passeio Público. Posso afastar com uma das mãos o enxame de pequenos e pontiagudos pudores e fechar porta e janela. O leitor que percebeu a tempo a roubada, já deu o fora; deve estar aliviado. Me merece só aquele – você – que não é de largar o osso: mesmo com as pulgas que cismam, atrás da orelha, irá até o fim.


Minha primeira crônica... Primeiras crônicas são escritas desde antes da memória do mundo. Nada de novo sob o sol, ou à frente do difusor de luz e suas extraordinárias lâmpadas de cátodo frio. No entanto, primeiras crônicas são escritas sem que isso precise ser anunciado nas primeiras crônicas.

Eis meu grande trunfo: escrever já de cara uma crônica sobre a total falta de assunto. Temas vacuifeitos fazem charme irresistível nos dígitos de todo cronista que se preze e menospreze. Mas o sujeito tem que ter cancha, honra ao mérito pela câmara dos vereadores, pequena sesmaria num jornal do interior, no mínimo. Ou, por meu turno, voluntarismo e vigarice.

É pelo menos arbitrário dedicar a primeira crônica à incapacidade de escrever uma crônica. Como um aborto que dê à luz? Como matar um morto? Como preencher um furo com um buraco? Vai daí, leitor, a você o vislumbre de minha boa saúde crônica.

Preciso agora cozinhar o galo, ganhar tempo. Porque o tempo – a lenta ferrugem do tempo – é a maior inquietação da falta de assunto. Pensei em falar um pouco nas crônicas bíblicas, um dos trinta e nove livros do Antigo Testamento cristão. Fazer a lição de casa, pinçar algo misterioso, capaz de dar cem metros de profundidade a esta poça. Algo como: “Porque, tendo cinquenta e seis anos, (Tobias) perdeu a vista dos seus olhos e recobrou-a aos sessenta”. Não cabe. Seria uma traição ao vácuo. Seria uma guinada pseudoteológica que não só daria um sentido, como um sentido sobrenatural. A ausência temática não tem nada de sobrenatural. Tem todas as doenças da carne e do tempo, a fraqueza do doce e franqueza do podre que convoquem pequenas moscas e formigas infinitas para a última ceia.

Talvez uma referência às Crônicas de Bob Dylan, a uma ou outra peça de Beckett, quem sabe àquela vertiginosa falta de assunto em A Day in the Life: vinte e quatro compassos vazios preenchidos por uma orquestra doente dos nervos; João que vê um filme, lê o jornal, oh boy... Paulo que entra no ônibus e acende um cigarro.

Mas pra que tanto? A mediocridade é uma zona de conforto e os dois parágrafos ganhos distraíram-nos durante uma horinha morta no fastio do texto. Uma crônica que, sem ter almoçado nem saído pra trabalhar, passará rigorosamente o dia todo fazendo a sesta.

Com sua fidelidade vira-lata, o leitor, há um minuto, minuto e tanto, me acompanha. Só pode haver nele algo de franciscano, de lírico e andorinha capaz de beber água no fossado; ou melhor, de vira-lata mesmo, aquela fundíssima camaradagem incondicional, de quem nos quer e ama e segue entre o primeiro farol da Visconde de Nácar e a esquina com a Emiliano Perneta – e depois vai embora. Este leitor vira-lata eu sei que me olha fundo, mais fundo do que um irmão, como no belo poema de Alberto Martins. É graças a ele – ninguém: falta de assunto em pessoa? – que chego aonde chego, medindo com o olhar o terreno que me falta do nada a parte alguma.

Abalofei meu peru pra comê-lo aqui mesmo. Eu sei que a esta altura devo estar sozinho. As possibilidades de uma tarde gastas num shorts da seleção e chinelos de dedo, pretensiosamente. Mas tá valendo. Já é melhor que minha primeira missa no Ministério do Amor. De longe melhor que meu primeiro poema, coitado, lá se vão 17 anos, passarinho prematuro com cinco ossinhos quebrados pelo corpo. Aquele poema péssimo em que jogo até hoje a minha vida. Aquele poema que de alguma maneira me trouxe exatamente até aqui.


Rodrigo Maderira


* rodrigo madeira é crônico. colabora quinzenalmente, às terças-feiras, em seu próprio blog.
http://www.rodrigo-madeira.blogspot.com/

exercícios banais 1

já conheci

crianças armadas e bêbadas ensandecidas

policiais às três da madrugada em lugares ermos

já senti na pele metralhadora, faca, estilete

e já voei aviões que cairiam

tive praga na fazenda, doença grave, morte na família

enfrentei crises, desemprego, acidentes, filas

já olhei nos olhos de meus assassinos...



mas nada, nada é mais aterrador que a normopata

num guichê do DETRAN

Rodrigo Madeira

3x saudade

1.

sólido de arquimedes (ou octaedro truncado)





longe é aquele lugar

instalado aqui dentro

o longe está tão perto

que longe agulha dentro

fica onde longe (dentro)

fica-se bem no centro

poliedro de um lado

apenas: o de dentro



não é lugar

nem deslugar;

fora de dentro.

não é lembrar;

é relembrar

no esquecimento





2.

exercícios banais 3





há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada

e irrecusável, se exerce com método:

nos bancos de praça, pelas janelas

do quinto ao sétimo andar, diante do mar

nos alpendres dos sobrados, no interior do goiás

dentro dos ônibus interestaduais

e nas penitenciárias.



há lugares onde a saudade, não fosse ela inopinada

e irrecusável, não encontra passagem:

na rua XV do zênite, no pega-pra-capar do trânsito

na fila do banco, pelas escadas carregando compras

em frente aos muros pichados, nas lojas de sapatos

celulares e ares-condicionados

dentro de túneis, elevadores e mictórios.





3.

209





a saudade a princípio

são ossos extras, que frat

uram

o espírito: ossos, des

-amparo

que desequilibra.



só o tempo tira aos ossos

a rejeição, a briga, o estrangeirismo.



primeiro nervos que latejam à noite.

depois a carne que nasce ferida

e, no acúmulo de tardes e urina,

cicatriza



em pele, em último, doce e fina,

sobre as falanges:

ossos-in-absentia.



fruto maduro (a hora) de finalmente

dizer da perda:

já não incomoda tanto

o sexto dedo na mão direita.

Rodrigo Madeira

domingo, 6 de março de 2011

Por que ler?

por Frederico Barbosa, domingo, 6 de março de 2011 às 01:30

Muitas campanhas são feitas, no Brasil, para incentivar a leitura. No entanto, antes de nos perguntarmos como fazer os brasileiros, principalmente os mais jovens, lerem mais, temos que nos questionar sobre o significado da leitura em si. Se indicamos a leitura aos nossos jovens, é porque queremos que a tomem como hábito. Logo, consideramos o ato de ler uma prática salutar e recomendável. Até aí, isso pode parecer óbvio. Mas vejamos como começamos a patinar quando nos perguntam: mas afinal, por que ler é saudável? Por que ler faz bem?



Alguns professores e muitos defensores da leitura terão respondido, seguindo a ideologia romântica de Castro Alves ("Bendito o que semeia ideias a mancheias e manda o povo pensar"): porque, lendo, o jovem adquire conhecimento e pode almejar um futuro melhor na vida, quiçá até ascender socialmente... Será?



Como incentivar a leitura numa sociedade que não lhe dá, na prática, o menor valor? Certo, o Brasil não é um país de leitores. Nunca o foi. Poucos foram os momentos em que a literatura conseguiu atingir, entre nós, um público mais amplo do que um pequeno grupo intelectualizado e fechado. Mesmo os nossos mais celebrados e consagrados escritores, como Gonçalves Dias, Machado de Assis ou Carlos Drummond de Andrade, foram e continuam sendo lidos apenas por uma pequena elite mais interessada e informada.



A maior parte dos leitores dos clássicos da nossa literatura parece estar reduzida, hoje, a colegiais que apenas os leem para cumprir uma enfadonha tarefa escolar. Leem obrigados, pela nota, e não pelo prazer da leitura.



Grandes criadores de ficção, como Machado de Assis, José de Alencar ou mesmo o próprio Monteiro Lobato, transformam-se, na escola, em verdadeiros monstros, ainda que sagrados. Viram sinônimo de tortura, de chatice, de leitura imposta e cobrada. Um monstro é sempre um monstro: assustador. Um ser sagrado não deve ser tocado, curtido, lido. Deve ser reverenciado à distância, no altar ou na estante — intocado e fechado.



Perde-se de vista que um Machado ou um Alencar, que sempre procuraram deleitar e divertir os seus leitores, escreviam para serem consumidos, não para serem reverenciados. Para que o leitor se aproxime de um clássico, sem medo e sem reservas, é preciso que saiba que nem sempre foi um clássico. Muitas vezes foi um livro revolucionário e polêmico. Alguns foram até obras extremamente populares no seu tempo, como as peças de Shakespeare, que chegou a ser acusado, por seus contemporâneos, de ser um escritor apelativo e popularesco.

Aquele que, ainda que muito bem intencionado, procura estimular a leitura de clássicos afirmando que são “fundamentais para se adquirir cultura” não tem, ele mesmo, qualquer prazer na leitura. Como pode querer estimular alguém a ler? Nas palavras do professor Sírio Possenti: "Na escola, praga mesmo é o professor que não lê. Quem não lê não sabe o que está perdendo, e, portanto, não tem por que aconselhar ou criar oportunidades para que outros leiam."(1)



Transformar os clássicos em “monstros sagrados”, em “altares do saber”, só pode afastar os jovens. Ler Camões para se fazer análise sintática, ou, como o fazem os destruidores de leitores mais modernos, Machado de Assis para analisar a conjuntura capitalista de sua época, só pode “enojar” qualquer leitor.



No entanto, a sociedade brasileira substituiu, nas últimas décadas, a leitura enfadonha e autoritária (porque mal dirigida) dos clássicos pela leitura superficial e inconsequente da literatura infantojuvenil ou dos best-sellers acéfalos que dominam o mercado. Foi de mal a pior. Ainda segundo Possenti, “Os livros infantis em geral oferecem menos do que a criança já tem, numa forma menos interessante do que os próprios leitores já conhecem. A linguagem repetitiva e supostamente clara e simplificada só pode merecer dos leitores mirins o desprezo."(2)



De que adianta formar leitores de subliteratura, dos manuais de autoajuda, das narrativas lineares e moralistas ditas “espíritas” e de tantas outras formas apelativas e fáceis de sedução do leitor inocente? A leitura de tais obras em nada acrescenta aos seus leitores. A leitura por si só não faz alguém crescer ou pensar. Basta lembrar do quanto lemos exatamente para não pensar: para passar o tempo, para reforçar nossas ideias, para nos distrairmos. Boa parte do sucesso de escritores como Paulo Coelho se dá exatamente porque eles apenas reafirmam, com ares de grande descoberta, o óbvio mais ululante, o lugar-comum que, de tão evidente, torna-se mesmo incontestável e, portanto, cria um elo imediato entre os leitores e o autor, já que os primeiros concordam totalmente com as colocações, irrefutáveis de tão evidentes, do autor.



É uma total ilusão crer que os leitores de Paulo Coelho irão se transformar, um dia, em admiradores de Machado de Assis ou James Joyce. Sem provocação, sem estímulo, nunca irão. Não basta ler muito para ler bem ou para sofisticar o gosto. É possível sim, com a imensa oferta que há no mercado, passar toda a vida lendo apenas a literatura mais apelativa e indulgente. Sem uma mediação eficiente que estimule a passar de um tipo de leitura a outros, este passo simplesmente inexistirá.



Deveríamos voltar aos clássicos sim, mas fazendo deles uma leitura alegre, criativa e estimulante. Será tão difícil ler Sófocles? Que adolescente não há de se fascinar pelo drama de mistério que é Édipo Rei? Que adolescente de hoje não se identificará com os conflitos familiares de Antígona? Que adolescente não entenderá as oscilações de humor de Hamlet, ou rirá com A Megera Domada? É preciso lembrar, de novo, que Shakespeare foi um poeta popular, assim como Sófocles, o Goethe do Werther, Alexandre Dumas, Victor Hugo, José de Alencar...



Creio que o mediador de leitura, deve, em primeiro lugar, procurar conhecer bem seu público, observar o seu grau de maturidade para a leitura, seus interesses, seus preconceitos etc. A partir dessas informações, deve escolher obras que possam estimular o interesse e a curiosidade dos envolvidos. Nunca recomendar um livro apenas “por ser um clássico”, mas porque esse “clássico” pode contribuir para que os leitores se tornem mais maduros, mais interessados, menos preconceituosos; em suma, melhores. Não creio que existam livros “impossíveis”, há aqueles que são, de fato, muito difíceis para leitores muito jovens, por requererem, além da maturidade de leitura, conhecimentos de mundo e da própria literatura que eles ainda não têm. Por outro lado, um livro “difícil” pode sempre, dependendo muito de como for trabalhado por um mediador eficiente, tornar-se um estímulo para que o jovem procure aprender mais.



Assim, não parece existir uma idade certa para ler um clássico. Não podemos fazer generalizações neste campo, já que tudo depende somente da individualidade do leitor. Generalizações nesse (e em qualquer) campo são muito perigosas e tendem a ser um tanto autoritárias. Podem, e frequentemente o fazem, afastar o leitor jovem de livros que lhe poderiam ser fundamentais. Não acredito que a questão seja exatamente de idade, e sim de maturidade para a leitura. Digo maturidade para a leitura e não “do leitor” porque tendem a ser coisas diferentes, embora muitas vezes correlatas. Por maturidade para a leitura, entendo a capacidade de observar os jogos e as sutilezas de um texto e, portanto, sentir prazer na leitura. A capacidade de observação e o prazer, por sua vez, em muito dependem da curiosidade, do interesse do leitor, criança ou adulto. É isso que os mediadores deveriam estimular nos jovens leitores, e não tentar estimular a leitura através da reverência aos clássicos.



Dito isso, fica claro que a escola ou a biblioteca ideais trabalhariam com a leitura de cada indivíduo, caso a caso, já que a experiência pessoal conta muito para a fruição literária. Conta, mas não é tudo. Só quem se transformou em inseto pode ler Kafka? A criança que não quer levantar da cama para ir à escola não pode entender muito bem como se sente Gregor Samsa? Claro que pode. Ou estaríamos irremediavelmente condenados ao que chamo de “reality books”, praga análoga à dos “reality shows” televisivos. Um leitor de 15 anos, bem estimulado e interessado, pode, sim, entender qualquer livro de Thomas Mann muito bem. O fascínio de Aschenbach pelo jovem Tadzio... será tão distante assim dos adolescentes de hoje? Não poderia nos ajudar a entender Michael Jackson? Ou ajudar os adolescentes quando confrontados com situações análogas? É claro que, ao reler Morte em Veneza aos 20 lerá outro livro, e aos 30, aos 40... Ler é uma forma de viver outras vidas. A leitura pode e deve estimular a percepção de outras realidades, ajudar os jovens a sair da casca do egocentrismo que lhes é natural. O adolescente que está na fase do “ficar” tem muito a aprender e se deleitar com a tragédia sentimental de Emma Bovary.



É importante salientar, também, que, com frequência, o que o leitor encontra na leitura é um mundo bem diferente do seu. O que o atrai, muitas vezes, é exatamente o estranhamento, a possibilidade de, por meio dos livros, conhecer realidades (ou irrealidades) distantes.



E assim, voltamos à questão do início: por que ler? Certamente há inúmeras respostas a esta questão. Mas quase todas são variações sutis de um denominador comum: para sentir.



O grande romancista francês Marcel Proust nos ensina que “talvez não haja na nossa infância dias que tenhamos vivido tão plenamente como aqueles que pensamos ter deixado passar sem vivê-los, aqueles que passamos na companhia de um livro preferido.” Já a nossa Clarice Lispector aproxima o ato da leitura de uma “Felicidade Clandestina”, conto que se encerra com a constatação de que, ao conseguir o seu sonhado livro de Monteiro Lobato, a jovem e ávida leitora “não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.”



Se o poeta escreve para fazer os leitores sentirem a dor “que eles não têm”, como já o disse Fernando Pessoa, o leitor busca não apenas reconhecer no texto lido seus próprios sentimentos, mas também vivenciar, por meio da leitura, sentimentos por vezes desconhecidos, que, com frequência, projeta nas palavras ou mesmo na figura do poeta, ou do famoso “eu lírico”. Assim, a leitura amplia não só a bagagem cultural, mas, melhor ainda, até o repertório emocional e a experiência sentimental do leitor. Lendo uma obra realmente significativa, aprende-se a sentir mais e melhor, refina-se o gosto, o prazer, o sexo e até o amor.



1 - Sírio Possenti. Pragas da Leitura. Série Ideias, n.13. São Paulo: FDE, 1994.

2 - Idem.



Frederico Barbosa é poeta e diretor da Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura

http://www.fredericobarbosa.com.br/

sexta-feira, 4 de março de 2011

TEM UM PÁSSARO CANTANDO DENTRO DE MIM - BÁRBARA LIA

Carrega-me contigo, Pássaro-Poesia

Quando cruzares o Amanhã, a luz, o impossível


fragmento de - Pássaro Poesia – Hilda Hilst






Um pássaro vai pousar neste outono.
O meu livro de poesias - TEM UM PÁSSARO CANTANDO DENTRO DE MIM.
Capa e Projeto Gráfico - Cinthia Casagrande e Coordenação editorial Cláudio B. Carlos

O livro dividido em três pequenos cadernos:
- Tem um pássaro cantando dentro de mim
- Mar Absinto
- Jardim do Caos

Lançamento previsto para Abril.