sábado, 24 de junho de 2017

Pode parecer delirante, puro devaneio, mas venho prognosticando o desaparecimento do chamado mundo interior dentro de alguns anos.Uma alucinação? Uma visão? Pode ser, é claro. No entanto, não estou sozinho nessas maluquices. Afinal, muito já se falou e se escreveu sobre questões estranhas e impertinentes.Um dos objetivos da alquimia, por exemplo,era transformar metais inferiores em ouro.Outro era descobrir o elixir da longa vida que curaria todas as doenças.
Portanto, não me falta atrevimento e ignorância nessa sugestão mencionada no início.E para reforçar aquela ideia encontrei, em releitura de Bachelard, alguns textos que podem clarear e enriquecer meu prognóstico. Um deles , o que trata da casa natal e a casa onírica, o autor confessa : "Eu não sonho em Paris, neste cubo geométrico, neste alvéolo de cimento, neste quarto com venezianas de ferro tão hostis à matéria noturna.Quando os sonhos me são propícios, vou para longe, numa casa na Champagne, ou nalgumas casas onde se condensam os mistérios da felicidade".
Mais adiante, Bachelard diz: "De resto, colocando-nos no mero ponto de vista da vida que sobe e desce em nós, percebemos bem que viver num andar é viver bloqueado. Uma casa sem sótão é uma casa onde se sublima mal; uma casa sem porão é uma morada sem arquétipos".
E Kafka,citado por Max Brod, morou numa casinha de quarto, cozinha e sótão erguida sobre a terra, em Praga, na Alchymistengasse. E escreveu o que segue: "É um sentimento muito particular o de ter sua casa, de poder fechar para o mundo a porta não de seu quarto, não de seu apartamento, mas simplesmente a de sua casa; de pisar diretamente, ao sair, a neve que cobre a rua silenciosa..."
Minha suposição é que o novo jeito de morar também deve estar contribuindo para esse fenômeno de horizontalização e falta de reflexão acelerada pelos avanços tecnológicos. A velocidade vertiginosa e a multiplicidade sedutora dos celulares, também colaboram nesse espécie de apagamento da interioridade. Ou pelo menos diminuem a capacidade reflexiva, a percepção do estar-aí e uma porção de coisas semelhantes.
Como sou velho e vivi todos esses períodos de transformações, fico assustado quando vejo as pessoas, no metrô e em ônibus, envolvidas com esses aparelhinhos, sem se dar conta do mundo real em sua volta.

Rubens Jardim

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