quarta-feira, 14 de março de 2018

Acho que estou meio com medo de morrer


Acho que estou meio com medo de morrer
porque o céu é azul
e todas as coisas de repente estão belas.
No mais, tudo segue o seu rumo: rumores de carros,
latidos de cães, vozes distantes.
Viver é saber se deslocar na vida
com o mínimo de ruído e atrito.
O céu é azul mas poderia não sê-lo. Poderia ser lilás, ou roxo, ou vermelho -- como no dia do juízo final.
Mas não: não haverá juízo. O céu é azul e os anjos morreram sufocados no ar porque o amor foi perfuro.
Uma criança chora.
Uma criança chora e todas as coisas seguem no seu ritmo: carros, cães, pessoas.
Há pássaros invisíveis nas árvores.
Não os vejo mas os ouço.
Acho que estou meio com medo de escrever um poema
e ele soar idiota
porque o céu é azul e todas as coisas seguem o seu destino.
Há pássaros nas árvores. O céu é azul.
As coisas seguem o seu caminho
e todos os poemas são idiotas.
Se há algum sentido, o sentido está fora das coisas.
De repente não há. O sentido é este: o céu é azul e todas as coisas estão belas. (A beleza dói como chaga.)
Há pássaros. Azul é o céu. Um cão late. Uma criança chora, meu Deus, e viver é saber
se deslocar no espaço feito um anjo
com o mínimo de ruído e atrito.

Otto Leopoldo Winck


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