sexta-feira, 20 de abril de 2018

ISABELA ADORMECIDA


Isabela perambula
sob pálidas estrelas
contando passos e luas
por ruas, praças, vielas
Esmolambada e banguela
Magrela e sem sobrenome
ela é somente Isabela
filha do vício . . . e da fome
Quase não come . . . nem fala. . .
se fala, fala sozinha
(ninguém se presta a escutá-la)
caminha, pena . . . e definha
Louca de ‘pedra’ e ‘farinha’
desnorteada no sul
Isabela ‘perde a linha’
sob o sol e o céu azul
Tão arisca quanto um bicho
vagueia de pés no chão. . .
buscando em latas de lixo
restos de paz, sonhos, pão
algum beijo enferrujado
um crepúsculo lilás
um poema inacabado
um dom . . . que ninguém quer mais
qualquer verdade encardida
um túnel com luz no fim. . .
um milagre . . . uma saída
uma porta, um trampolim
um naco de amor, de bolo
um lírio , um favo de mel
qualquer alívio ou consolo
um mapa que a leve ao céu
Mas, Isabela não acha
mais que esperanças perdidas. . .
e segue assim, cabisbaixa
pelos becos e avenidas
Cheia de medo e feridas
Cheia de angústia e torpor
ri das luzes coloridas
que piscam pra sua dor
Vaga só e desvalida
entre os ‘cidadãos normais’
‘gente de bem’, ‘bem nutrida’
‘semelhantes desiguais’
Passa desapercebida
por todos . . . mas, não por mim
que enxergo em sua tez desiludida
um não sei quê de anjo (Querubim)?
Quisera dar-lhe guarida
um fardo menos ruim
um’ outra chance . . . outra vida
mais feliz, menos doída
outro começo, outro fim. . .
Guardá-la em mim, protegida
e nunca mais vê-la assim
desacordada, caída. . .
‘Isabela adormecida’
sobre a grama dum jardim
entre flores sem perfume
e gente sem coração
num mundo em que a piedade
é um ‘mau costume’
e a fria indiferença . . . ‘convenção’
Os olhos de Isabela não têm lume. . .
São negros . . . são da cor da solidão
Da cor da sua pele de betume. . .
Tão negra . . . quanto o ébano e o carvão
Tão negra quanto a negra escuridão
que assombra minha alma (tão pequena)
ao escutar da boca de um ‘cristão’
---- Não sinta compaixão. Não vale a pena. . .
Eu guardo em mim os olhos de Isabela. . .
e sei que ela guardou os meus também
Tomara Deus . . . um dia . . . os olhos dela
enxerguem toda a luz . . . que os meus não veem.

PAULO MIRANDA BARRETO

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